Advocacia-Geral da União move ação contra cigarreiras
|Por: Pedro Garcia, Jornal Gazeta do Sul
Santa Cruz do Sul/RS – Duas das maiores empresas de tabaco do Brasil, a Souza Cruz e a Philip Morris, são alvo de uma ação civil pública ajuizada nessa terça-feira pela Advocacia-Geral da União (AGU). O órgão quer que as companhias sejam condenadas a ressarcir as despesas da rede pública de saúde com tratamento de doenças associadas ao consumo de cigarros.
Além das cigarreiras, também vão responder as suas controladoras internacionais – a Philip Morris International (PMI) e a British American Tobacco (BAT). A AGU quer que as empresas paguem à União o equivalente ao que foi aplicado nos últimos cinco anos no atendimento de pacientes com 26 doenças cuja relação com o consumo ou simples contato com a fumaça dos cigarros é cientificamente comprovada.
A lista inclui mais de dez tipos de cânceres, além de enfisema pulmonar e problemas cardiovasculares. O órgão alega, por exemplo, que 90% dos casos de câncer de pulmão estão ligados ao tabagismo, segundo informações do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
O valor só será calculado se as empresas forem, de fato, condenadas. Conforme estudo divulgado em 2017 pelo Inca e pelo Ministério da Saúde, porém, as despesas médicas diretas e indiretas geradas pelo tabagismo no Brasil chegariam a R$ 56,9 bilhões por ano. A AGU também quer a cobrança dos custos proporcionais que a União terá nos próximos anos, além de indenização por danos morais coletivos.
“Como o lucro desse comércio é remetido para o exterior, para essas multinacionais, nada mais justo que elas tenham que pagar esse ônus que estão deixando com a sociedade brasileira”, explicou o coordenador regional de Atuação Proativa da Procuradoria-Regional da União na 4ª Região, Davi Bressler.
A ação civil pública vai tramitar junto à 1ª Vara Federal de Porto Alegre e está, neste momento, a cargo da juíza Graziela Cristine Bündchen. Em nota, a AGU disse que o objetivo não é proibir a fabricação de cigarros ou a produção de tabaco no País. “Cerca de 70% da produção nacional de tabaco é destinada ao mercado externo”, diz o texto.
A Philip Morris mantém uma fábrica de cigarros em Santa Cruz do Sul, enquanto a Souza Cruz possui uma cigarreira no município mineiro de Uberlândia. Além delas, apenas a Japan Tobacco International (JTI) produz cigarros em território brasileiro.
Veja a ação da AGU na íntegra neste link
Os argumentos
Um dos argumentos da ação diz respeito à responsabilidade objetiva. A AGU alega que as despesas com a saúde dos consumidores de cigarros são repassadas de forma inadequada à sociedade. Também é utilizado o fundamento das externalidades negativas – o órgão alega que as fabricantes têm deixado de arcar com os custos associados aos riscos decorrentes da sua atividade.
Outro argumento diz respeito à responsabilidade subjetiva. A AGU acusa as empresas de condutas de má-fé, incluindo omissão e manipulação de informações sobre os malefícios do tabagismo, venda de cigarros de classificação “light” como menos prejudiciais à saúde e promoção de estratégias de marketing e propagandas voltadas ao público jovem.
A ação também pede que as empresas sejam condenadas a pagar indenização por danos morais coletivos, sob alegação de que os impactos nocivos dos cigarros foram ocultados durante vários anos.
Nos EUA, processo entrou para a história
O Brasil não é o primeiro país a colocar em julgamento a responsabilidade de cigarreiras por danos causados à saúde de fumantes. Ações semelhantes à movida pela AGU foram ajuizadas no Canadá, na Coreia do Sul e na Nigéria. O caso mais emblemático, porém, é o dos Estados Unidos. Em 2006, após seis anos de litígio e um julgamento que durou nove meses, 11 empresas foram condenadas no processo histórico que ficou conhecido como Estados Unidos x Philip Morris.
Decisões vêm sendo favoráveis às empresas
Não é a primeira vez que a responsabilidade civil de cigarreiras por danos causados à saúde de fumantes será julgada. Em 1995, a Associação de Defesa da Saúde do Fumante (Adesf) entrou com uma ação coletiva contra a Souza Cruz e a Philip Morris. Na ocasião, os argumentos eram semelhantes: a entidade acusava as empresas de propaganda enganosa e de omitir informações sobre os riscos dos cigarros à saúde. Foi a primeira ação dessa natureza no País.
A associação chegou a obter uma decisão favorável em primeira instância, mas a sentença foi anulada em 2008 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Já em 2010, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que as fabricantes não podem ser responsabilizadas por danos à saúde gerados pelo consumo de cigarros. O entendimento foi de que os malefícios do produto são amplamente divulgados e, portanto, conhecidos dos consumidores. O julgamento não foi concluído até hoje, porque ainda existem recursos em tramitação.
Nas últimas décadas, também foram movidas ações civis públicas por órgãos como Ministério Público de São Paulo, Ministério Público da Bahia e os Ministérios Públicos do Trabalho do Paraná e de Santa Catarina, além de centenas de ações individuais de ex-fumantes e familiares de pessoas que perderam a vida por doenças associadas ao tabagismo contra as indústrias. Na maioria dos casos, as decisões foram favoráveis às empresas.
O que dizem
A Souza Cruz informou que ainda não teve acesso ao teor do processo, mas se disse surpresa com a afirmação da AGU de que as duas empresas referidas na ação detêm 90% do mercado. “A realidade, segundo dados do Ibope, é que 54% do mercado brasileiro é ilegal”, diz nota divulgada pela empresa.
Já a Philip Morris comunicou que ainda não foi notificada e aguardará isso acontecer para se posicionar sobre o assunto. O Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (Sinditabaco) e a Associação Brasileira das Indústrias do Fumo (Abifumo) alegaram que não se manifestam sobre questões individuais das empresas.